quarta-feira, 24 de março de 2021

Sugestão de leitura

 Pele de foca

Conto tradicional inuíte, recontado por Tim Bowley em Não há como escapar


    Era uma vez um homem que sofria tanto de solidão que, ao longo dos anos, as lágrimas lhe tinham cavado sulcos fundos no rosto. Um dia ao anoitecer, andava ele à pesca na sua canoa quando viu uma luz a brilhar ao longe, no mar, e remou na sua direção. Ao aproximar-se viu que a luz era a luz da Lua refletida na pele nua de sete belas mulheres que dançavam numa ilha.

Movido por uma força maior que ele, o homem continuou a remar silenciosamente. Chegou à ilha e escondeu-se entre as rochas. Ao fazê-lo tropeçou em qualquer coisa que estava no chão. Pegou na coisa e escondeu-a na sua parca. Pouco tempo depois as mulheres terminaram a dança e cada uma delas pegou numa trouxa que sacudiu, revelando peles de foca. Cada uma vestiu a sua pele, e elas saltaram para a água. Todas exceto uma, a mais bonita de todas, que procurava desesperadamente qualquer coisas por entre as rochas.

A certa altura o homem levantou-se e disse:

— Mulher, sou um homem solitário. Vem viver comigo e sê minha esposa.

— Não posso viver contigo! Sou das outras criaturas!

— Mulher, vem viver comigo. Daqui a sete anos devolver-te-ei a tua pele e depois poderás escolher entre ficar comigo ou regressar à água.

Como não tinha opção, a mulher foi com ele e pouco tempo depois deu à luz um filho a quem chamaram Ooruk. Ooruk foi crescendo e a mãe contava-lhe histórias da vida no oceano. Ela talhava animais do mar para ele brincar e ensinava-lhe as estrelas, dando a cada constelação o nome de um peixe.

Mas os anos foram passando e a mulher começou a perder a saúde. O cabelo caiu-lhe, os olhos ficaram turvos e começou a coxear. Certa noite Ooruk acordou com o barulho dos pais a discutir.

— Os sete anos já passaram! – gritava a mãe. – Tu prometeste devolver-me a pele!

— Não! Não! – gritava o pai. – Se o fizer tu abandonas-me a mim e ao nosso filho, e eu não suportaria isso!

— Não sei o que faria. Só sei que aqui estou a morrer.

Ooruk adormeceu, mas acordou a ouvir chamar pelo seu nome, e era como se o próprio mar o estivesse a chamar.

«OOruk! Ooruk! Ooruk!»

Ele saltou da cama, enfiou as botas e a parca e correu para a praia. Quando l´+a chegou viu uma velha foca-macho a rebolar-se na água e a olhar para ele. Depois tropeçou em qualquer coisa que estava escondida nas rochas. Pegou nela e percebeu imediatamente que era a pele da mãe, pois tinha o cheiro dela.

Voltou a correr a casa e deu-lha. Os dois voltaram à praia mas, ao ver a mãe vestir a pele, o medo apoderou-se de Ooruk.

— Não me deixes! – gritou.

Ela olhou para ele com um amor profundo nos olhos. Pegou-lhe com as barbatanas, soprou-lhe na boca, e depois saltou com ele para dentro de água. Emergiram numa caverna cheia de focas, onde estava, sentada numa rocha, a velha foca que ele tinha visto antes. A sua mãe aproximou-se dela.

— Como vão as coisas no mundo lá em cima? – perguntou a foca mais velha.

— Mal, pai. Magoei um homem que me amava mas eu não podia ficar lá, porque estava a morrer.

— E o rapaz? – perguntou a foca mais velha, apontando para Ooruk. – Ele vem viver connosco?

— Não – disse ela. – Ele pertence às outras criaturas e tem de regressar. Mas deixa-o passar algum tempo connosco, para aprender os nossos costumes.

E, assim, Ooruk viveu algum tempo com as focas e aprendeu as suas canções e histórias. Numa noite de lua cheia, o avô e a mãe nadaram com ele até à costa.

— Ooruk – disse a mãe – basta que toques nos animais que eu talhei para ti, e eu estarei contigo.

Então Ooruk beijou as duas focas e pisou terra firme.

Ele cresceu e veio a ser um grande cantor e contador de histórias entre a sua gente., e muitas noites era avista ao longe, no mar, inclinado na borda da sua canoa, a conversar com uma foca «A Brilhante» e, embora muitos tenham tentado, nunca ninguém conseguiu apanhá-la.

 

Esta história dá que pensar! A mulher foca deveria ter ficado em terra com o marido e o filho? Porquê?

O pescador agiu bem quando escondeu a pele e quis que a mulher-foca se casasse com ele? Porquê?

Escreve a tua opinião no Classroom da Biblioteca.

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