O menino da Lua (excerto)Alice Vieira
«Era uma vez um homem a quem a mulher morrera ao dar à luz um filho.
E porque era difícil criar um filho sozinho, decidiu o homem casar pela segunda vez.
Mas a nova mulher não gostava do menino e inventava sempre maneiras de o castigar, mesmo que ele nada tivesse feito que merecesse castigo.
Então, para escapar à madrasta, muito pequenino ainda o menino se habituara a sair de casa cedo, só voltando à noite. E passava o tempo todo a olhar para a Lua.
Quer a Lua estivesse cheia, cheia, cheia…
Quer a Lua estivesse minguada, minguada, minguada…
Até mesmo quando a Lua desaparecia do céu e ninguém sabia por onde é que ela andava. O menino nunca faltava.
- Porque olhas tanto para a Lua e esqueces tudo o mais que te rodeia? - perguntava-lhe o pai.
- Porque não tens tempo para fazer o que te mando, e pareces ter todo o tempo do mundo para olhar para a Lua? - perguntava-lhe a madrasta.
- Porque passas a vida a olhar para a Lua e nunca brincas connosco? - perguntavam-lhe os meninos da terra.
Mas ele continuava a olhar para a Lua e nunca respondia.
Tantas vezes o pai insistiu que um dia o menino acabou por dizer:
- A Lua está a mandar-me um recado Mas eu sou muito pequeno e não consigo entender.
- E que te diz a Lua?
- Diz-me que um dia o meu pai me há de querer deitar água nas mãos e eu não hei de deixar.
Nessa noite o homem contou à mulher a conversa que tivera com o filho e logo ela se pôs a gritar:
- Ó homem, pois ainda não percebeste?! Isso significa que um dia, quando ele crescer, há de querer mandar em nós e havemos de ser ambos criados dele! A única coisa a fazer é deitá-lo já (…) à água, com muita força para que se afunde imediatamente.
Mas o pai não teve coragem de fazer o que a mulher mandava.
Tirou o filho da cama, ainda a dormir, meteu-o dentro de um caixote de madeira castanha, desenhou na tampa uma grande lua cheia, fechou-o muito bem, fazendo apenas alguns furos para que pudesse respirar – e lançou-o sobre as águas.
Três dias e três noites andou o caixote sobre as ondas do mar, protegido pela Lua, que lá do alto regulava ventos e marés.
Até que um grupo de pescadores, que numa das margens tinha lançado as suas redes, avistou o caixote e pensou que dentro dele poderia haver um grande tesouro.
Puxaram-no para terra e levaram-no ao palácio real: se fosse um tesouro, o rei saberia recompensá-los.
Mas quando o rei abriu o caixote, nele encontrou apenas um menino que lhe sorria.
- As vossas suspeitas estavam certas – disse o rei para os pescadores.- Na verdade, este caixote traz um tesouro! Este caixote traz-me o filho com que sempre sonhei e que os deuses nunca me deram. E deve ter ido esta lua nele desenhada que o guiou até aqui.
Voltaram os pescadores para as suas casas muito bem recompensados, mandou o rei guardar o caixote, e o menino ficou a viver no palácio, como se fosse seu filho.
E todos os súbditos diziam:
- Nunca houve príncipe como este!
E maravilhavam-se com a sua bondade e inteligência.
No dia em que o príncipe fez vinte anos, o rei chamou-o:
- Estou a ficar velho e cansado. Um dia serás tua a dirigir este reino e não duvido que o farás com grande sabedoria. Mas há muito mais mundo para lá das nossas muralhas. Há gente diferente de nós que fala línguas diferentes da nossa, que tem costumes diferentes dos nossos, que pensa de maneira diferente de nós. E se tu não os conheceres, nunca conhecerás o mundo como ele realmente é. E nunca serás o rei que eu quero que sejas.
- Que terei de fazer, meu pai? - perguntou o príncipe.
- Leva o cavalo mais veloz das nossas cavalariças e vai correr mundo. Esta é a melhor prenda de anos que te posso dar.
Andou o príncipe anos e anos pelos quatro cantos do mundo.
Subiu montanhas, desceu vales, atravessou planícies, cruzou oceanos.
Tremeu de frio, tombou de calor.
Ouviu misteriosas falas, dançou ao som de estranhas músicas.
Conheceu gente de pele branca, amarela, negra.
E de cabelos oiros, castanhos, brancos, negros, ruivos.
Mas todos sorriam e choravam da mesma maneira.
De vez em quando, antes de adormecer, o príncipe olhava para a Lua. E tinha a sensação de que ela lhe queria dizer qualquer coisa.
Só não conseguia perceber o quê.
Andava o príncipe com muitas saudades do seu reino, do seu palácio e do seu pai, quando uma tarde, depois de muito caminhar, foi dar a uma estalagem a cair de velha. Ainda pensou em seguir viagem e em procurar dormida num lugar mais acolhedor, mas sentia-se muito cansado, sem forças para continuar.
Bateu à porta e entrou.
Os estalajadeiros vieram recebê-lo mas logo o avisaram que iria ali encontrar muito pouco que o pudesse satisfazer:
- Temos tido anos muito maus – disse o homem.
- Anos de seca em que tudo morre por água a menos; a que se seguem anos de chuvas e inundações, em que tudo morre por água a mais – disse a mulher.
- E viveram sempre aqui? - perguntou o príncipe.
-Em novos vivíamos noutro lugar. Mas perdemos um filho por culpa nossa e os remorsos foram tantos que não aguentámos ficar lá muito tempo – disse o homem.
- Escolhemos então esta terra, mas tudo nos tem corrido mal. Estamos velhos e a vida é cada dia mais difícil – disse a mulher.
O príncipe perguntou se pelo menos lhe poderiam dar água, para que pudesse beber um pouco, lavar-se e seguir viagem. O estalajadeiro encheu uma bacia de água e ia deitá-la sobre as mãos do príncipe, quando este recuou:
- Tu és velho demais e sem forças para pegar nessa bacia tão cheia. Eu próprio tratarei de mim.
O velho estremeceu ao ouvir estas palavras.
- Que foi? - estranhou o príncipe. - Disse alguma coisa que te ofendesse?
- Não - respondeu o homem. - Lembrei-me apenas que o filho que perdi me disse que eu havia um dia de lhe querer deitar água nas mãos e...»
Para conheceres o fim desta história, procura o livro na biblioteca da escola.